Verdade


Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.

Picasso

domingo, 28 de novembro de 2010

A Síndrome da Galinha de Russel

Por Pablo Capistrano

O problema das coisas insuportáveis na vida é que elas parecem insistir em acontecer mais de uma vez.
O sujeito que fura a fila, o imbecil que buzina para você acelerar o carro um segundo antes do semáforo abrir, o carrinho de compras do condomínio largado no meio da sua garagem. Pequenos infernos cotidianos que aparecerem com certa regularidade em nosso mundo.

Como o mal é mais visível, a gente sempre tende a notar as pequenas abominações do nosso cotidiano. Somos assim, meio que estuprados pela regularidade do mundo. Engalfinhados no misterioso tédio da repetição sem fim de todas as coisas.

Mas, pense comigo um instante e me diga se realmente há algum fundamento na crença que eu e você temos na repetição. Por que aquilo que acontece várias vezes tem que acontecer sempre? Por que o algum idiota sempre tem que tentar furar a fila no banco ou um imbecil qualquer tem sempre que buzinar um segundo antes do semáforo abrir para você? Talvez exista uma conspiração cósmica para tornar a nossa vida diária insuportável (como apregoa a inusitada lei de Murfy), ou talvez, mesmo sem saber, estejamos padecendo da famosa síndrome da galinha de Russel. Já ouviu falar?

Bertrand Russel, além de ativista político e um dos maiores nomes da filosofia da matemática era um sujeito bem humorado e acabou equacionando o problema de um modo inusitado.

Imagine que um proprietário de um pequeno sítio, tenha comprado uma jovem franga chamada Dolores, em uma feira livre. Durante algumas semanas o bom sujeito alimenta a jovem Dolores. Todos os dias, ele vai até o quintal com milho e água fresca. Do ponto de vista de Dolores seu dono é um cara legal. Alguém em quem ela realmente pode confiar. Sempre que ele aparece no quintal, Dolores se anima e corre para receber comida e água fresca. Um belo dia algo inusitado, inexplicável, acontece. Um terrível mal entendido, uma desagradável surpresa. Dolores não consegue compreender quando seu dono a agarra pelo pescoço e a leva para a cozinha. Ela não tem como entender a brutalidade daquele comportamento completamente imprevisível. Enquanto sente a faca de seu bom dono abrir sua goela, Dolores, agora uma iminente e apetitosa canja, em um último suspiro, só consegue pensar perplexa com seu cérebro de galinha: “o que está acontecendo?”.

Russel entendeu que o sujeito que cortou a goela da galinha é justamente o mesmo que a alimentou.
Isso mostra que, para alguém como Dolores, é bem interessante possuir uma visão mais sofisticada acerca da uniformidade da natureza. Como boa parte da humanidade, Dolores sofre de uma síndrome. Uma estranha ilusão mental de que o que acontece mais de uma vez vai acontecer sempre.

Russel, ao apontar para esse dado, apenas retoma uma idéia desenvolvida pelo filósofo inglês David Hume ainda no século XVII. Hume nos mostrou que nenhuma quantidade de experiências pode provar a validade de uma teoria.

Quando colocamos a chave na ignição do carro e giramos, esperamos automaticamente que o carro funcione, porque isso sempre aconteceu. O fato de que todas as vezes que você gira a chave na ignição do carro ele começa a funcionar, não oferece nenhuma garantia lógica que isso vai sempre acontecer. Nosso entendimento nos prega peças porque ele generaliza o mundo. Cria a sensação lógica de que algo que já aconteceu um punhado de vezes vai sempre acontecer e nos acostuma a esperar sempre que o mundo permaneça do mesmo modo, ou que, no mínimo, haja algum tipo de padrão na mudança. Alguma sensação de previsibilidade.

Hume demonstrou que a idéia de causa e efeito é produto de uma crença, reforçada por um hábito. Com isso ele apontou para os riscos de sofrer da “Síndrome da galinha de Russel”.

Acordamos todos os dias de manhã e colocamos um belo copo de leite para nossos filhos acreditando que o leite “causa” a saúde deles. Ficamos surpresos ao saber que eles estão intoxicados com soda cáustica, ao invés de estarem alimentados com um coquetel de vitaminas. Essa ilusão causa muitos embaraços, especialmente no mundo da ciência experimental. Nunca teremos certeza de que uma droga testada com sucesso em três mil pessoas em um grupo de controle qualquer não vá matar nosso paciente.

Ao diagnosticar essa estranha síndrome, o escocês David Hume começou a demolir o orgulho da humanidade e a confiança na sua razão, na sua própria capacidade de compreender, prever e controlar os fenômenos da natureza. A filosofia moderna começa a ser desmontada e parte dos seus pressupostos (confiança na razão, a existência de um Eu interior que pensa, dignidade especial do homem, fé na ciência) sofrem depois de Hume abalos significativos. Assim, nossa razão nos prega uma peça.

Ela faz com que o homem acredite realmente que as coisas são como parecem ser e acaba perpetuando algumas mitologias e juízos falsos que muitas vezes nos colocam na mesma situação da pobre Dolores.

Esperando um banquete sem saber que nós é que somos o prato principal.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

OBJETIVO DO CONTRATO DE CASAMENTO

Muitos casais no altar acreditam que estão prometendo amar um ao outro enquanto o casamento durar. Quando você promete amar alguém para sempre, está prometendo o seguinte: "Como somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade, poderemos encontrar dezenas pessoas mais bonitas e mais inteligentes ao longo da vida e que estatisticamente, o homem ou a mulher "ideal" poderá aparecer
somente depois do casamento, não antes e é justamente por isso que prometemos nos amar para sempre e abrirmos mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão no futuro."
 
O objetivo do casamento não é escolher o melhor par possível mundo afora, mas construir o melhor relacionamento possível com quem você prometeu amar para sempre.

Contratos, inclusive os de casamento, são realizados justamente porque o futuro é incerto e imprevisível. Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender.
O segredo do casamento não é a harmonia eterna. Depois dos inevitáveis arranca-rabos, a solução é ponderar, se acalmar e partir de novo com o mesmo par. O segredo, no fundo, é renovar o casamento, e não procurar um casamento novo. Isso exige alguns cuidados e preocupações que são esquecidos no dia a dia do casal. De tempos em tempos, é preciso renovar a relação. De tempos em tempos, é preciso voltar a namorar, voltar a cortejar, voltar a se vender, seduzir e ser seduzido.
 
Mulher e marido que se separam perdem 10 quilos num único mês, por que vocês não podem conseguir o mesmo? Faça de conta que você está de caso novo. Se fosse um casamento novo, você certamente passaria a freqüentar lugares desconhecidos, mudaria de casa ou apartamento, trocaria seu guarda-roupa, os discos, o corte de cabelo e a maquiagem. Mas tudo isso pode ser feito sem que você se separe de seu cônjuge.
 
Ninguém agüenta a mesma mulher ou marido por trinta anos com a mesma roupa, o mesmo batom,  com os mesmos amigos, com as mesmas piadas. Muitas vezes não é seu par que está ficando chato e mofado, são os amigos dele (e talvez os seus), são seus próprios móveis, com a mesma desbotada  decoração. Se você se divorciasse, certamente trocaria tudo, que é justamente um dos prazeres da separação. Quem se separa se encanta com a nova vida, a nova casa, um novo bairro, um novo círculo de amigos.
 
Não é preciso um divórcio litigioso para ter tudo isso.Basta mudar de lugares e interesses e não se deixar acomodar. Isso obviamente custa caro e muitas uniões se esfacelam porque o casal se recusa a pagar esses pequenos custos necessários para renovar um casamento. Mas, se você se separar, seu novo  par vai querer novos filhos, novos móveis, novas roupas, e você ainda terá a pensão dos filhos do casamento anterior.
 
Não existe essa tal "estabilidade do casamento", nem ela deveria ser almejada. O mundo muda, e você também, seu marido, sua esposa, seu bairro e seus amigos. A melhor estratégia para salvar um casamento não é manter uma "relação estável", mas saber mudar junto. Todo cônjuge precisa evoluir, estudar, aprimorar-se, interessar-se por coisas que jamais teria pensando fazer no início do casamento.


Você faz isso constantemente no trabalho, por que não fazer na própria família? É o que seus filhos fazem desde que vieram ao mundo.Portanto, descubra o novo homem ou a nova mulher que vive ao seu lado, em vez de sair por aí tentando descobrir um novo e interessante par. Tenho certeza de que seus filhos os respeitarão pela decisão de se manterem juntos e aprenderão a importante lição de como crescer e evoluir unidos apesar das desavenças. Brigas e arranca-rabos sempre ocorrerão: por isso, de vez em quando é necessário casar-se de novo, mas tente fazê-lo sempre com o mesmo par.

domingo, 21 de novembro de 2010

Uma mulher melhor?

Depois de um bom tempo dizendo que eu  mulher da vida dele, um belo dia eu recebo um e-mail dizendo: 'olha, não dá mais'. Tá certo que a gente tava quase se matando e que o namoro já tinha acabado mesmo, mas não se termina nenhuma história de amor (e eu ainda o amava muito) com um e-mail, não é mesmo? Liguei pra tentar conversar e terminar tudo decentemente e ele respondeu: mas agora eu to comendo um lanche com amigos'. Enfim, fiquei pra morrer algumas semanas até que decidi que precisava ser uma mulher melhor para ele. Quem sabe eu ficando mais bonita, mais equilibrada ou mais inteligente, ele não volta pra mim?

Foi assim que me matriculei simultaneamente numa academia de ginástica, num centro budista e em um curso de cinema. Nos meses que se seguiram eu me tornei dos seres mais malhados, calmos, espiritualizados e cinéfilos do planeta. E sabe o que aconteceu? Nada, absolutamente nada, ele continuou não lembrando que eu existia.

Aí achei que isso não podia ficar assim, de jeito nenhum, eu precisava ser ainda melhor pra ele, sim, ele tinha que voltar pra mim de qualquer jeito!

Pra isso, larguei de vez a propaganda, que eu não suportava mais, e resolvi me empenhar na carreira de escritora, participei de vários livros, terminei meu próprio livro, ganhei novas colunas em revistas, quintupliquei o número de leitores do meu site e nada aconteceu. Mas eu sou taurina com ascendente em áries, lua em gêmeos, filha única! Eu não desisto fácil assim de um amor, e então resolvi tinha que ser uma super ultra mulher para ele, só assim ele voltaria pra mim.

Foi então que passei 35 dias na Europa, exclusivamente em minha companhia, conhecendo lugares geniais, controlando meu pânico em estar sozinha e longe de casa, me tornando mais culta e vivida. Voltei de viagem e tchân, tchân, tchân, tchân: nem sinal de vida.

Comecei um documentário com um grande amigo, aprendi a fazer strip, cortei meu cabelo 145 vezes, aumentei a terapia, li mais uns 30 livros, ajudei os pobres, rezei pra Santo Antonio umas 1.000 vezes, torrei no sol, fiz milhares de cursos de roteiro, astrologia e história, aprendi a nadar, me apaixonei por praia, comprei todas as roupas mais lindas de Paris. Como última cartada para ser a melhor mulher do planeta, eu resolvi ir morar sozinha. Aluguei um apartamento charmoso, decorei tudo brilhantemente, chamei amigos para a inauguração, servi bom vinho e comidinhas feitas, claro, por mim, que também finalmente aprendi a cozinhar. Resultado disso tudo: silêncio absoluto.

O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele.

Até que algo sensacional aconteceu...

Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher, que eu acabei me tornando mulher DEMAIS para ele.  Ele quem mesmo???

Martha Medeiros