Verdade


Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.

Picasso

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Espaço Curvo e Finito

José Saramago

Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças
E ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe,
Um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.

sábado, 25 de junho de 2011

FELICIDADE REALISTA

Martha Medeiros

De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz. Não é tarefa das mais fáceis. A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Louis Vitton e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares? Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

(...)

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um game onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A passagem do tempo

Revista Vida Simples nº 107 01/07/2011 - Por Eugênio Mussak

Envelhecer, atualmente, é diferente de antigamente. Ainda assim, como lidar bem com a chegada da velhice?
(...)
 Apesar disso, na prática estamos apenas postergando os sinais da velhice, mas eles chegarão algum dia.
Meu amigo Paulo, brilhante professor, me contou o que ele aprendeu de uma sociedade africana, daquelas que conservam suas tradições e sua cultura própria, apesar dos avanços da modernidade. Na tribo há uma casa, chamada “A Casa da Palavra”, onde os membros se reúnem para discutir os problemas coletivos.
Qualquer um pode comparecer e colocar suas dificuldades e suas opiniões, mas na Casa da Palavra há algumas regras. A primeira é que os mais velhos falarão por último, e suas palavras terão mais peso que as dos outros. O consenso é que os mais velhos, por terem vivido mais, acumularam mais experiência e, como consequência, sabedoria.
Nessa sociedade, ao contrário da nossa, todos têm um grande objetivo na vida: ficar velho. Pode parecer exótico demais para o pensamento ocidental, que alimenta o sonho da eterna juventude, mas faz todo sentido; primeiro porque isso significa sobreviver à dureza da vida naquelas paragens inóspitas; e, segundo, porque, lá, ser velho confere status, angaria admiração, respeito.
Tenho procurado adaptar essa filosofia à minha vida. Meu objetivo também é ficar velho, só que com alguns predicados, que passo a relatar:
O primeiro predicado é a saúde, sem a qual a vida se transforma em um martírio. Sempre lembrando que ter saúde significa algo mais do que não ter doenças. Saúde plena quer dizer disposição, energia, alegria de viver. É claro que os parâmetros mudam, e temos que respeitá-los.(...)
Hoje temos todas as condições para manter a saúde em dia. Exames preventivos, intervenções avançadas quando necessárias, alimentos saudáveis, espaços para a prática de atividades físicas, etc. Só que – sempre tem um “só que” – para lançarmos mão desses recursos, precisamos de um pré-requisito: a consciência, que gera a vontade que vira disciplina.  
O segundo predicado é a paz, pois sem ela perdemos a vontade de viver. E ter paz significa ter construído uma vida correta, carregar a certeza de que ajudamos, com nossa existência, este mundo a melhorar. Ter paz também emana das relações que construímos, a começar pela família, nosso grande esteio emocional. O amor de um companheiro, valor que tem forte componente lógico, pois depende do cotidiano, da construção conjunta de uma relação prazerosa, enriquecedora e amorosa. Também paz que vem dos filhos criados, a quem demos educação, amor e, como valor adicional, autonomia, que dá a eles liberdade, e aos pais a consciência do dever cumprido.  
O terceiro são as boas lembranças, pois elas são a marca de que vivemos uma vida intensa, plena, com descobertas, aventuras, alegrias, emoções. Meu sonho é poder anunciar, como Neruda: “Confesso que vivi”. Adoro ver as fotos antigas de viagens realizadas, museus conhecidos, festas freqüentadas, amigos visitados. Lembranças encontradas nos cantos da memória, principalmente quando garimpadas a dois, estão entre os momentos de maior alegria. É como viver de novo.
O quarto é a curiosidade, que mantém a mente ativa e a alma iluminada pela descoberta. Ser curioso significa querer saber, interessar-se por novos conhecimentos, áreas ainda inexploradas do saber. Não há idade para o aprendizado, para a incorporação de novas competências intelectuais. O mundo nunca foi tão rico de conhecimentos e de acesso a eles. Acho que verdadeiramente começamos a envelhecer quando perdemos a curiosidade.      
O quinto predicado essencial é o olhar otimista sobre o futuro, não importa o quanto ele dure. Acredito que ele será tão mais longo quanto maior a projeção que fizemos dele em nossa própria cabeça. Sonhos e planos nos mantém ativos, e mais, nos conservam vivos. “Quando temos um bom porquê, suportamos qualquer como”, resumiu Viktor Frankl, que não se deixou destruir pela infâmia de Auschwitz e contaminou a cabeça de seus companheiros de infortúnio com os sonhos de uma Europa em paz. A visão de futuro conservou aqueles homens vivos. Seu corpo foi protegido da morte pela mente ativa e pela esperança sempre presente.   
Já se disse que envelhecer é compulsório, mas amadurecer é opcional. O que significa, exatamente, esse comentário?
Se considerarmos que envelhecer é agregar anos à sua existência, e amadurecer é fazer isso com sabedoria, o ditado faz todo sentido. Ter vivido simplesmente não significa ter-se tornado maduro. É preciso aprender com a vida, e isso requer mais do que simplesmente viver. Antes de qualquer coisa é necessário ter humildade, a primeira qualidade dos sábios.
Infelizmente todos conhecemos pessoas que chegam à aurora de sua existência de maneira amarga, com postura de vítima, sem ânimo de olhar para trás em busca das lembranças que nos ensinam e muito menos para frente, onde deveriam estar o sonhos que nos motivam.
Por outro lado, todos tivemos a oportunidade de conviver com os fantásticos dribladores do tempo, os que viveram intensamente o presente sempre lançando um olhar para o passado, que no presente se chama memória, e outro para o futuro, que no agora se chama sonho. A junção dos três tempos aumenta imensamente a qualidade de conferir sabedoria. Quando penso nos atributos que descrevi acima, percebo que eles só poderão ser exercidos na velhice se forem preparados ao longo da vida.
Saúde é cuidado, prevenção clínica e bons hábitos. Paz é um caminho que só se faz caminhando. Boas lembranças dispensam comentários, pois só podemos lembrar do que já passou, o que fizemos com o tempo que nos foi dado viver. Curiosidade é uma qualidade infantil que pode virar hábito arraigado e ser mantido pela vida. Olhar otimista sobre o futuro será, então, consequência dos demais.
(...)
Quando perguntaram Mário Lago sobre seu segredo de longevidade, ele respondeu alegre: “Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra”.
É claro que todos nos encontraremos com o tempo em algum lugar, e saberemos que terá chegado nossa hora. Só que essa precisa hora é a única que não nos pertence de fato. Já todas as outras, as cerca de 800 mil horas que fazem parte de uma vida bem cuidada, essas sim, nos pertencem. Podemos dispor delas como quisermos. E só terá o objetivo de ficar velho aquele que entender o valor de cada uma delas, e fizer, com tempo, aquele famoso acordo de coexistência pacífica.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Os dois horizontes

Machado de Assis

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

"o valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis"

Fernando Pessoa, que hj completaria 123 anos
Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar...

Machado de Assis

sábado, 11 de junho de 2011

Uma Criatura

Machado de Assis

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira do abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;

Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto arealum vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto,
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida;
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

quinta-feira, 2 de junho de 2011

SÍNTESE DAS ANTÍTESES

Lao Tse
 Só temos consciência do belo,
Quando conhecemos o feio.
Só temos consciência do bom,
Quando conhecemos o mau.
Porquanto, o Ser e o Existir,
Se engendram mutuamente.
O fácil e o difícil se complementam.
O grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam um todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo.
Eis porque o sábio age
Pelo não agir,
E ensina sem falar,
Aceita tudo que lhe acontece
Produz tudo e não fica com nada.
O sábio tudo realiza e nada considera seu
Tudo faz – e não se apega à sua obra
Não se prende aos frutos da sua atividade
Termina a sua obra
E está sempre no princípio
E por isto a sua obra prospera.