Verdade


Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.

Picasso

domingo, 30 de dezembro de 2012

Sonharás uns amores de romance, quase impossíveis. Digo-lhe que faz mal, que é melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.

Machado de Assis

domingo, 23 de dezembro de 2012

"O certo e o errado são apenas modos diferentes de entender nossa relação com os outros".

José Saramago

domingo, 16 de dezembro de 2012

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Teixeira de Andrade

domingo, 9 de dezembro de 2012

Minimamente Feliz

Leila Ferreira

A felicidade é a soma das pequenas felicidades. Li essa frase num outdoor em Paris e soube, naquele momento, que meu conceito de felicidade tinha acabado de mudar. Eu já suspeitava que a felicidade com letras maiúsculas não existia, mas dava a ela o benefício da dúvida. Afinal, desde que nos entendemos por gente aprendemos a sonhar com essa felicidade no superlativo. Mas ali, vendo aquele outdoor estrategicamente colocado no meio do meu caminho (que de certa forma coincidia com o meio da minha trajetória de vida), tive certeza de que a felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro.

Na vida real, o que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas. Um pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro que a gente não consegue fechar, um homem que nos faz sonhar, uma amiga que nos faz rir. São situações e momentos que vamos empilhando com o cuidado e a delicadeza que merecem alegrias de pequeno e médio porte e até grandes (ainda que fugazes) alegrias.


'Eu contabilizo tudo de bom que me aparece', diz Fabiana, também adepta da felicidade homeopática. 'Se o zíper daquele vestido que eu adoro volta a fechar (ufa!) ou se pego um congestionamento muito menor do que eu esperava, tenho consciência de que são momentos de felicidade e vivo cada segundo.

Elis conta que cresceu esperando a felicidade com maiúsculas e na primeira pessoa do plural: 'Eu me imaginava sempre com um homem lindo do lado, dizendo que me amava e me levando pra lugares mágicos Agora, viajando com frequência por causa de seu trabalho, ela descobriu que dá pra ser feliz no singular: 'Quando estou na estrada dirigindo e ouvindo as músicas que eu amo, é um momento de pura felicidade. Olho a paisagem, canto, sinto um bem-estar indescritível'.

Uma empresária que conheci recentemente me contou que estava falando e rindo sozinha quando o marido chegou em casa. Assustado, ele perguntou com quem ela estava conversando: 'Comigo mesma', respondeu. 'Adoro conversar com pessoas inteligentes' Criada para viver grandes momentos, grandes amores e aquela felicidade dos filmes, a empresária trocou os roteiros fantasiosos por prazeres mais simples e aprendeu duas lições básicas: que podemos viver momentos ótimos mesmo não estando acompanhadas e que não tem sentido esperar até que um fato mágico nos faça felizes.

Esperar para ser feliz, aliás, é um esporte que abandonei há tempos. E faz parte da minha 'dieta de felicidade' o uso moderadíssimo da palavra 'quando'. Aquela história de 'quando eu ganhar na Mega Sena', 'quando eu me casar', 'quando tiver filhos', 'quando meus filhos crescerem', 'quando eu tiver um emprego fabuloso' ou 'quando encontrar um homem que me mereça', tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer esquecer da felicidade de hoje. Esperar o príncipe encantado, por exemplo, tem coisa mais sem sentido? Mesmo porque quase sempre os súditos são mais interessantes do que os príncipes; ou você acha que a Camilla Parker-Bowles está mais bem servida do que a Victoria Beckham?

Como tantos já disseram tantas vezes, aproveitem o momento, amigos. E quem for ruim de contas recorra à calculadora para ir somando as pequenas felicidades. Podem até dizer que nos falta ambição, que essa soma de pequenas alegrias é uma operação matemática muito modesta para os nossos tempos. Que digam. Melhor ser minimamente feliz várias vezes por dia do que viver eternamente em compasso de espera

domingo, 2 de dezembro de 2012

FOME, SEDE E VONTADE DE LER

Fabiano Cambota
 
Os biólogos, cientistas, cientificistas - enfim, qualquer estudioso do corpo humano - não cansam de afirmar e reafirmar a perfeição do corpo humano. A mais completa máquina já criada. Pois tratemos de discordar. O corpo necessita de combustíveis. Se precisamos de água, temos sede. De comida, temos fome. Nunca paramos de respirar. Por que nos falta uma necessidade de ler? Alias, não há sequer um nome pra isso. Simplesmente “a necessidade de ler”. Algo como a manutenção da intelectualidade, ou da saúde do cérebro. Ler. Ler como quem mata a sede. Como quem avança sobre um prato de comida. Um copo de água bem gelada e uma Clarice. Uma lasanha e um Machado. Para todos os dias, arroz, feijão e Allan Poe.

 

A falta de leitura deveria ser retratada em fotografia premiada pela National Geographic. Concorrentes do “Foto do ano de 2004”: O menino faminto da Etiópia, a baleia encalhada da Antártida e o Sem-livro do Brasil. Deveria estar estampado na cara do sujeito: “Sou subletrado”.
Não se justifica com a situação do nosso país. Não se trata aqui da falta de incentivo e de educação, já notória e discutida. Mas de atitude.

Os jovens - ah, sempre os jovens – não conseguem, ou não querem, enxergar o benefício da leitura. Qualquer leitura. E os jovens crescem, ou já cresceram, subletrados. Daí a pergunta: E se houvesse uma necessidade física? Penso que ainda há o que mudar na estrutura humana. Que tal essa dica? Hein! Na falta de uma terminologia melhor, fica a “fome de leitura”, ou a FOMURA. O menino grita: “Manhêêê, to com uma fomura danada”. E ela vem correndo com a Ruth Rocha que é pro menino parar de reclamar. O pai, no meio da noite, acorda com o choro do bebê. Dá a mamadeira, troca a fralda e lê o Ziraldo enquanto o neném não consegue sozinho. O casal de namorados vai sair a noite. Jantar, choppinho ou leitura? O rapaz mais afoito sugeriria um João Ubaldo. O divorciado um Nabokov. O mais esperto um Vinícius (sim, elas ainda adoram).  E a combinação vinho, massa e Drummond? Irresistível.

O sonho enfim se concretizaria com o obeso-literato. Aquele que, de madrugada, assalta a estante. Acha que não faz mal um Parnasianismozinho durante as refeições. Vai ao médico, o letricionista, que lhe passa uma dieta a base de romance. Nada muito pesado. Depois das 20 horas, só Sidney Sheldon. Mas cai em tentação e é flagrado com “Crime e Castigo” nas mãos. A família se preocupa. Tornou-se um livrólatra. Só o L.A. poderá salvá-lo. Nas reuniões com o grupo de viciados em literatura, ele conta sua saga: “Bem, comecei aos 10 anos. Como todo mundo. Fadas, chapéus, narizes que cresciam. Depois eu parti pros livros menores. Mas quando você menos espera, já está devorando um Jorge Amado numa sentada só”. Um “ooh” ecoa na sala. Senhoras comentam entre si. “Tão novinho e tão letrado né!”
Bibliotecas lotadas. Um silêncio ensurdecedor. Filas enormes para entrar. É muita gente morrendo de fomura. Consegue uma mesa, pede o menu.

- Por favor, me vê duas Cecílias. E pro menino pode ser um Lobato, que ele adora!!

- Senhor! Nossas Cecílias acabaram.

- O quê? E o que você sugere?

- Nosso Eça é legítimo, senhor! E temos Camões
- É que os portugueses são caros né! E meu médico me proibiu Camões durante a semana.
- Algum Andrade?

- Não sei. Não sei. To indeciso ainda.

Depois de alguns minutos pensando e testando a paciência do rapaz que lhe servia...

- Ah, vou de Paulo coelho mesmo que é só pra matar a fomura.

domingo, 25 de novembro de 2012

O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções.

Martha Medeiros

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

"Cada dia compreendo melhor quão insensato é vivermos a julgar os outros por nós mesmos."

Goethe

domingo, 18 de novembro de 2012

The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore


http://www.youtube.com/watch?v=tkJPMsWw6Z8&feature=related

A OBSESSÃO PELO MELHOR

Leila Ferreira
 
Estamos obcecados com "o melhor".

Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só queremos saber do "melhor".
Tem que ser o melhor computador, o melhor carro, o melhor emprego, a melhor dieta, a
melhor operadora de celular, o melhor tênis, o melhor vinho.Bom não basta.

O ideal é ter o top de linha, aquele que deixa os outros pra trás e que nos distingue, nos
faz sentir importantes, porque, afinal, estamos com "o melhor".Isso até que outro "melhor" apareça e é uma questão de dias ou de horas até isso acontecer.

Novas marcas surgem a todo instante.Novas possibilidades também. E o que era melhor, de repente, nos parece superado,modesto, aquém do que podemos ter.

O que acontece, quando só queremos o melhor, é que passamos a viver inquietos, numa
espécie de insatisfação permanente, num eterno desassossego.Não desfrutamos do que temos ou conquistamos, porque estamos de olho no que falta conquistar ou ter.

Cada comercial na TV nos convence de que merecemos ter mais do que temos.

Cada artigo que lemos nos faz imaginar que os outros (ah, os outros...) estão vivendo
melhor, comprando melhor, amando melhor, ganhando melhores salários.Aí a gente não relaxa, porque tem que correr atrás, de preferência com o melhor tênis.

Não que a gente deva se acomodar ou se contentar sempre com menos. Mas o menos,
às vezes, é mais do que suficiente.Se não dirijo a 140, preciso realmente de um carro com tanta potência? Se gosto do que faço no meu trabalho, tenho que subir na empresa e assumir o cargo de
chefia que vai me matar de estresse porque é o melhor cargo da empresa?

(...)

Tenho pensado no quanto essa busca permanente do melhor tem nos deixados ansiosos e nos impedido de desfrutar o "bom" que já temos.

A casa que é pequena, mas nos acolhe.

O emprego que não paga tão bem, mas nos enche de alegria.

A TV que está velha, mas nunca deu defeito.

O homem que tem defeitos (como nós), mas nos faz mais felizes do que os homens "perfeitos".

As férias que não vão ser na Europa, porque o dinheiro não deu, mas vai me dar à chance de estar perto de quem amo...

O rosto que já não é jovem, mas carrega as marcas das histórias que me constituem.

O corpo que já não é mais jovem, mas está vivo e sente prazer.

Será que a gente precisa mesmo de mais do que isso?

Ou será que isso já é o melhor e na busca do "melhor" a gente nem percebeu?

Sofremos demais pelo pouco que nos falta
e alegramo-nos pouco pelo muito que temos.
Shakespeare

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

José Saramago

No dia 16 de novembro, o  ícone da nossa literatura José Saramago completaria 90 lindos anos de vida e de palavras.

Obrigada, José Saramago, pelo encantamento de suas palavras!


"Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos.

O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.

Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irônico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.

O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frêmito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso."

domingo, 11 de novembro de 2012

Clarice Lispector

E será inútil esforçar-se para esquecer - tudo o que um dia se misturou carregará consigo partículas do outro. Talvez venha o arrependimento, o recomeço, as cores voltem a brilhar como antes - mas não se pode contar com isso. Não se pode contar com nada. O único caminho viável é viver e correr o sagrado risco do acaso. E substituir o destino pela probabilidade.

domingo, 4 de novembro de 2012

Nada é permanente nesse mundo cruel. Nem mesmo os nossos problemas.


Charles Chaplin

domingo, 28 de outubro de 2012

Motivação Ilusória

Luah Galvão
Faz alguns minutos falei pelo face com um amigo que não via faz tempo e naquele papo … “Como você tá ??” etc … ele responde ” Tô ótimo, tô super bem, suuuperrrr bem mesmo … (tempo) … Mas tô quase infartando, tô tomando lexotan na veia, tô exauto, tô …”
Quando nosso “papo” acabou fiquei pensando … “Quem disse que ele está bemmmm?? Quem foi que convenceu o cara disso??”. Não dá pra estar bem assim !!! Que “motivação” é essa??.
Resolvi escrever sobre esse assunto que está se “alastrando” e tomei a liberdade de apelidar esse tipo de fenômeno como “motivação ilusória”. A “vítima” jura que está maravilhosamente bem mas como vocês puderam ver; não está !! É tudo ilusão !!
Cada dia estão sendo criados mais artifícios que apoiam essa inversão total de valores. O cidadão se mata, despende horas e mais horas extras no trabalho, acumula funções, é cada vez mais cobrados e alguém diz que isso é o que tem que ser feito para alcançar a felicidade, a plenitude e a segurança profissional !!!
Cá entre nós, depois de um enfarto o que adiantou trabalhar tanto ??
Mas vamos continuar pois esse é um assunto interessante … cada vez mais as empresas bombardeiam seus colaboradores com uma infindável lista de atividades motivacionais, promocionais, institucionais, jogos, vivências, desafios … vários paliativos que ajudam a manter os ânimos e a ânima em meio a esse dia a dia estressante.
Ops, pera lá … isso é motivação real ?? Esse cara altamente adrenado no ambiente profissional volta pra casa com essa mesma carga de energia ?? O que acontece depois que fecha as portas de sua casa e encontra a sua intimidade ??
Quantos será que tem um encontro marcado com seu lexotan, com a sensação de vazio, com a exaustão absoluta, talvez até com a depressão ??
Será que sua alma realmente comprou esse excesso todo ?? Será que essa dose extra de motivação não é ilusória ?? E como tudo que é artificial, não se mantém!!
Minha lista de amigos medicados regularmente só aumenta e infelizmente só conseguem se manter “em alta”, tomando algumas “bolinhas”…
Será que o excesso extrai realmente o melhor das pessoas ?? Ou será que um dia a dia mais regrado e saudável não traria condições mais favoráveis ao desempenho “perfeito” ??
O que não dá é pra acreditarmos que estar bem é estar com uma lista gigante de problemas físicos e psíquicos. Essa sensação de motivação ilusória, só serve para acobertar nossos problemas e insatisfações e não é o que de fato vai trazer entusiamo para nossas vidas !!

domingo, 21 de outubro de 2012

Palavras, Palavras...


Eugenio de Andrade

As palavras
São como um cristal,
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? 
Quem as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Palavras não são dons.
São técnicas e esforços.
Dedicação e paixão.
Disciplina e Atenção!

Devemos usá-las para provocar o pensar e o sentir.
Ninguém aprende sem ter ensinado algo...
Ninguém ensina sem ter aprendido algo mais...
Tudo é uma troca: emitir, receber e sentir.

domingo, 14 de outubro de 2012

O que me define...

Clarice Lispector

Sou os brinquedos que brinquei, as gírias que usei, os nervosos e felicidades que já passei. Sou minha praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, sou os amores que vivi, as conversas sérias que tive com meu pai: Eu sou o que me faz lembrar!!!

Sou a saudade que sinto, sou um sonho desfeito ao acaso, sou a infância que vivi, sou a dor de não ter dado certo, sou o sorriso por tudo que conquistei, sou a emoção de um trecho de livro, da cena de filme que me arrancou lágrimas: Eu sou o que me faz chorar!!!

Sou a raiva de não ter alcançado, sou a impotência diante das injustiças que não posso mudar, sou o desprezo pelo que os outros mentem, sou o desapontamento com o governo, o ódio que isso tudo dá. Sou o que eu remo, sou o que eu não desisto, sou o que eu luto, sou a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta ao ver um animal abandonado: Eu sou o que me corrói!!!

Eu sou o que eu luto, o que consigo gerar através de minhas verdades, sou os direitos que tenho e os deveres a que me obrigo, sou a estrada por onde corro, sou o que ensino e, sobretudo, o que aprendo: Eu sou o que eu pleiteio!!!

Eu não sou da forma como me visto, não sou da forma como me comporto, não sou o que eu como, muito menos o que eu bebo. Não sou o que aparento ser:

EU SOU O QUE NINGUÉM VÊ!!!

domingo, 7 de outubro de 2012

SE EU PUDESSE

Jorge Luiz Borges
Se eu pudesse viver novamente minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito: relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido.
n
a verdade, bem poucas coisas levaria a sério...
Viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui.
Tomaria mais sorvete e menos lentilha.
Teria mais problemas reais e menos imaginários...

Eu fui uma dessas pessoas que viveu
sensata e produtivamente cada minuto de sua vida.
Claro que houve momentos de alegria...
Mas se eu pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos,
porque, se não sabem, disso é feita a vida:
só de bons momentos;
não os perca agora!
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma
sem um termômetro, uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva e um para-quedas...

Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no início da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças
cantando canções de amores,
se ainda tivesse uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos
e, só me resta sonhar...!

domingo, 30 de setembro de 2012

 Caio Fernandes de Abreu

"Te desejo uma fé enorme.
Em qualquer coisa, não importa o quê.
Desejo esperanças novinhas em folha, todos os dias.
Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo.
Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso.
Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, 
mesmo que as mentiras e as verdades sejam impermanentes.
Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito.
Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria.
Tomara que apesar dos apesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente
para não abrir mão de se sentir feliz. 
As coisas vão dar certo.
Certo, muitas ilusões dançaram.
Mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo,
eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas.
Que 2011 seja doce. 
Repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante.
Que seja bom o que vier, pra você."

domingo, 23 de setembro de 2012

Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem. 
Lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize" 

Boaventura de Souza Santos

domingo, 16 de setembro de 2012

Se, a longo prazo, somos criadores do nosso destino, de imediato somos escravos das ideias que criamos."

Friedrich Hayek

domingo, 9 de setembro de 2012

"Não tenhas medo da vida. Acredita que a vida vale a pena, e a tua crença te ajudará a criar esse fato."

William James

sábado, 4 de agosto de 2012

"O homem lançou-se à procura de outros mundos e outras civilizações, sem antes ter explorado o seu próprio labirinto de caminhos sombrios e câmaras secretas e sem descobrir o que há para lá de portas que ele mesmo selou."

Solaris - Stanislaw Lem

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Crítica e Auto-Crítica

Arthur SchopenhauerAssim como o homem carrega o peso do próprio corpo sem o sentir, mas sente o de qualquer outro corpo que quer mover, também não nota os próprios defeitos e vícios, mas só os dos outros. Entretanto, cada um tem no seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo o tipo. Porém, na maioria da vezes, faz como o cão, que ladra diante do espelho por não saber que se vê a si mesmo, crendo ver outro cão.
Quem critica os outros trabalha em prol da sua própria melhoria. Portanto, quem tem a inclinação e o hábito de submeter secretamente a conduta dos outros, e em geral também as suas acções e omissões, a uma atenta e severa crítica, trabalha na verdade em prol da própria melhoria e do próprio aperfeiçoamento, pois possui o suficiente de justiça, ou de orgulho e vaidade, para evitar o que amiúde censura com tanto rigor. 

terça-feira, 26 de junho de 2012

Elogio aos Idiotas


Carlos Cardoso Aveline

Na vida acelerada do mundo de hoje, todos desejam ser espertos, vivos e astuciosos.

Ninguém quer ficar para trás – quando você está indo, os outros já estão voltando. Ninguém mais diz frases com segundas intenções: dizem coisas com terceiras, quartas e quintas intenções. Frases que, com sorte, um leigo no assunto precisa de várias horas para decifrar e talvez dois ou três dias para imaginar uma resposta à altura. 

Em compensação, alguém que diz diretamente aquilo que pensa acaba provocando escândalo e mal-estar. É imediatamente catalogado como perigoso e tratado como idiota. A sinceridade parece contrariar as normas da convivência e da boa educação modernas. Assim, as pessoas bem educadas são amáveis, mas nem sempre se deve acreditar no que dizem. 

A idiotice é um tema vasto, com muitos aspectos diferentes, e está inscrita com destaque na cultura brasileira.  Um exemplo  disso são as tradicionais piadas de português.  Elas são uma projeção da brasilidade. No fundo, os portugueses idiotas das piadas somos nós. Os episódios que envolvem Manuel, Joaquim e Maria são todos parte da alma do nosso país –  tanto é assim que só são conhecidos no Brasil. Em Portugal, ao contrário, circulam piadas de brasileiros.  

É certo que, quando examinamos a questão da inteligência e da idiotice, surgem algumas perguntas indiscretas. O que é inteligência? O que é burrice?  Quantos tipos há de idiotas?

Podemos dizer que inteligência é a capacidade de perceber o real.  Como há realidades muito diferentes no mundo, não existe um tipo único de inteligência. Cada situação da vida requer um tipo específico de percepção, e por isso as inteligências são múltiplas.   A idiotice e a burrice podem ser definidas como a incapacidade de perceber o real, e são tão variadas quanto as inteligências. Há, portanto, muitos tipos de idiotas. Alguns deles, inclusive, são espertalhões. Sim, há muitos idiotas que passam por inteligentes, e também grande número de  pessoas inteligentes que passam por idiotas. 

Além disso, quem é inteligente em uma área da vida pode ser burro em outras. Você é esperto em política e burro na hora de jogar futebol. Sua namorada pode ser menos intelectual que você, na hora de discutir filosofia, mas há aspectos da vida em que ela coloca você no chinelo. Há coisas que seus filhos  fazem bem melhor que você, como, talvez, compreender as sutilezas de um videogame ou computador. Felizmente, ter sabedoria não é saber tudo. Ter sabedoria é saber o mais importante – e administrar bem os seus talentos.

Dos inúmeros tipos de idiotas, um dos mais interessantes foi examinado por François Rabelais, o escritor francês do século 16. Ele abordou a imbecilidade doutoral específica dos “eruditos” que usam palavras complicadas para não dizer coisa alguma. Um deles – conta Rabelais –  fez certo dia uma longa pesquisa para saber “se uma entidade imaginária, zumbindo no vácuo, é capaz de devorar segundas intenções.”  Outro queria saber  “se uma idéia platônica, dirigindo-se para a direita sob o orifício do Caos, poderia afastar os átomos de Demócrito”. Um terceiro investigava “se a frigidez hibernal dos antípodas, passando numa linha ortogonal através da homogênea solidez do centro, podia, por uma delicada antiperístase, aquecer a convexidade dos nossos calcanhares”. Rabelais qualifica tais idiotas eruditos  como professores cegos de discípulos cegos, “que tateiam em um quarto escuro à procura de um gato preto que não está lá”. [1]  Tais indivíduos eram precursores de Rolando Lero, o grande erudito que iluminou a televisão brasileira nos anos 1990.  Não é de todo impossível  encontrar esse tipo de pesquisador fazendo teses de pós-doutorado em certas universidades.   

Conheço seres humanos que têm tanto medo de parecer burros que aplaudem  – ou pelo menos fingem que compreendem –  esse tipo de raciocínio longo, difícil, sem significado algum. Mas tal constrangimento é desnecessário: deixando de lado o medo de parecer idiotas, perderemos menos tempo fingindo e  seremos mais felizes.

O exemplo de Albert Einstein, um dos maiores gênios da ciência moderna, é ilustrativo. No início da vida, ele recusou-se a falar até os três anos de idade. Seus pais – pessoas sensatas – pensavam que fosse retardado mental. Mais tarde, quando Einstein ingressou na escola, ele foi novamente considerado imbecil. Seu biógrafo é obrigado a admitir:

“Para os colegas de classe, Albert era uma anomalia que não demonstrava interesse nenhum pelos esportes. Para os professores, era um idiota que não conseguia decorar nada e se comportava de modo estranho. Em vez de responder imediatamente a uma pergunta, como os outros alunos, sempre hesitava. E quando respondia, movia os lábios em silêncio, repetindo as palavras.” [2]

Décadas mais tarde, Einstein deu o troco. Ele qualificou o nosso moderno sistema educacional como uma  estrutura que reprime a inteligência e busca fabricar idiotas obedientes: 

“A humilhação e a opressão mental imposta por professores ignorantes e pretensiosos causam danos terríveis na mente jovem; danos que não podem ser reparados e que geralmente exercem influências maléficas na vida futura.”

E ainda:

“A maioria dos professores perde tempo fazendo perguntas para descobrir o que o aluno não sabe, quando a verdadeira arte consiste em descobrir o que o aluno sabe ou é capaz de saber.” [3]

O sábio, o santo e o idiota têm muito em comum, não só entre si, mas também com as árvores e os animais. Todos eles vivem em um estado de comunhão com todas as coisas que é independente do pensamento lógico. Isso contraria a inteligência situada no hemisfério cerebral esquerdo, que rotula e classifica todas as coisas. Essa inteligência gosta de colocar-se como se tivesse o monopólio da consciência. Esse, aliás, é um dos grandes obstáculos para a prática da meditação: a mente pensante não aceita passar o poder à mente que contempla e que compreende a verdade sem necessidade de pensamentos. 

A primeira frase dos famosos “Ioga Sutras de Patañjali”, o tratado milenar sobre Raja Ioga, afirma: “Ioga é a cessação das modificações da mente”.  Para alcançar a hiper-consciência, o estado mental do êxtase divino, é necessário paralisar momentaneamente a mente inferior. O sábio é um ser que renunciou à inteligência convencional e optou por uma percepção que a mente comum não consegue captar. Por isso, mesmo no século 21, se aquele que ingressa no caminho espiritual não tiver certos cuidados, pode ser considerado louco ou idiota pelos parentes e amigos. Mas, do ponto de vista do sábio, a situação se inverte e idiota é aquele que fica preso à lógica do mundo externo. 

O ser humano geralmente vive imerso em ilusões que ele mesmo criou. Para obter a sabedoria, ele deve aprender algumas coisas e desaprender outras. Helena Blavatsky escreveu:

“A primeira condição necessária para obter autoconhecimento é tornar-se profundamente consciente da ignorância; sentir com cada fibra do coração que somos incessantemente iludidos. O segundo requisito é uma convicção ainda mais profunda de que tal conhecimento – um conhecimento intuitivo e seguro – pode ser obtido por esforço próprio. A terceira condição, a mais importante, é uma determinação indômita de obter e enfrentar aquele conhecimento.” [4]

Quase todo o potencial da mente humana ainda está por ser desenvolvido.  A ciência reconhece que usamos uma parcela muito pequena do cérebro.  O problema não é, pois, que sejamos um tanto limitados mentalmente. O lamentável é que, sendo limitados, nos consideramos extremamente espertos. O filósofo Sócrates, escolhido como o homem mais  sábio da Grécia, explicou:
 

“Eu e os homens notáveis de Atenas nada sabemos, e a única diferença entre eu e eles é que eu, nada sabendo, sei que nada sei, enquanto que eles, nada sabendo, pensam que sabem muito”.

Seguindo na mesma linha de raciocínio, o pensador espanhol Balthazar Gracián constatou:  

“O maior tolo é aquele que acha que não é, e que só os outros são. Para ser sábio não basta  parecer sábio, nem, muito menos, parecer sábio a si próprio. (....) Embora o mundo esteja cheio de tolos, ninguém se julga um deles, nem receia ser um.” [5]

Quando superamos a necessidade de parecer inteligentes e deixamos de lado o medo de parecer idiotas, libertamos nosso potencial criativo e a nossa capacidade de conhecer novos aspectos da consciência.  Quando temos coragem de colocar toda nossa mente em algo, parecemos tolos e distraídos do ponto de vista daqueles aspectos do mundo que optamos por ignorar completamente. Um exemplo claro disso é dado pela história do grande cientista que caminha absorto pela rua, perto da sua Universidade, quando encontra um colega e param para conversar um minuto.  Ao se despedirem,  o cientista  pergunta a seu colega:

“Diga-me, amigo, em que direção eu estava caminhando?” 

“Você estava indo para lá”, aponta o outro.

“Ah, obrigado”, agradece o sábio distraído.  Isso significa que eu já almocei.”

A relativa idiotice dos sábios tem outro exemplo no caso do famoso escritor inglês G. K. Chesterton.  Ele morava em Londres quando ainda não havia telefones, e vivia em um mundo tão abstrato que, certa vez, ficou aguardando notícias de sua esposa em uma agência de correios após mandar o  seguinte telegrama para ela:

“Querida, estou  no mercado Harborough. Mas onde eu deveria estar, para fazer o quê?” [6]  

No romance “O Príncipe Idiota”, o escritor Fiódor Dostoievsky descreve um Cristo moderno que aparece na Rússia com 26 anos de idade – e se comporta como um idiota desde todos os pontos de vista práticos. Ele não tem a couraça de auto-defesa que caracteriza o tipo moderno de  cidadão “esperto”.  Por isso as pessoas riem da cara dele e ele acha graça junto com os que o desprezam. Chamam-no de burro – e ele concorda, amavelmente, porque só sabe falar a verdade –  e percebe que, realmente,  não tem a astúcia dos seus perseguidores.

Leon Muishkin, o Cristo-príncipe de Dostoievsky, é epiléptico.  O escritor descreve os seus ataques como momentos de iluminação mística: “Não podia duvidar nem admitir sequer a possibilidade de dúvida: naqueles momentos havia, com efeito, beleza e oração, e aqueles instantes eram a maior síntese da vida (...). [E ele] via claramente que a conseqüência evidente desses minutos indescritíveis era a imbecilidade, o obscurecimento das suas faculdades, o idiotismo.” [7]

Dostoievsky está certo em mais de um sentido. Epilepsia à parte, há um fato que poucos estudiosos do caminho do autoconhecimento confessam abertamente: quando se desperta a inteligência espiritual, perde-se, irremediavelmente, a inteligência astuciosa que permite coisas como mentir com habilidade, usar a lisonja na medida certa e falar a verdade só quando ela traz vantagens. 

Desse despertar vem a sensação de nada saber diante do mundo. A expansão mística da consciência traz consigo uma inocência idiota em relação à realidade externa. É por isso que os sábios renunciam à agitação e a todas as formas de esperteza associadas com ela, e preferem optar por uma vida retirada. Quem deseja alcançar a consciência celestial deve abandonar a inteligência egoísta e assumir, em certos assuntos, a aparência de um abobado. 

“A razão expulsou Deus com chicotadas para o meio dos loucos”, escreveu Louis Pauwels.[8]  E o escritor sufi Idries Shah – grande pensador do islamismo místico–  escreveu um livro intitulado “A Sabedoria dos Idiotas”. Na abertura da obra, Idries Shah explicou:

“Aquilo que os homens de pensamento estreito imaginam que seja sabedoria é freqüentemente considerado loucura pelos sábios sufis. Assim os sufis, por sua vez, chamam a si mesmos de ‘idiotas’. Por uma feliz coincidência, a palavra árabe que significa ‘santo’ (wali) tem a mesma equivalência numérica que a palavra que significa ‘idiota’ (balid). Assim, temos dois motivos para ver os grandes sufis como os nossos Idiotas.” [9] 

A astúcia impede o autoconhecimento.   A milenar tradição chinesa conta que certa vez Confúcio procurou Lao-tzu – fundador da filosofia taoísta – e fez a ele uma complexa consulta sobre uma questão ritualística que considerava de grande  importância.  Desprezando a pergunta sofisticada, o mestre disse a Confúcio:

“Você precisa abandonar a sua esperteza e deixar de lado a espada da sua ambição. Os grandes sábios freqüentemente parecem tolos e estúpidos. Aqueles que obtiveram o verdadeiro aprendizado não insistem em ostentar o seu conhecimento.” [10]

Um dos maiores místicos cristãos de todos os tempos, São João da Cruz, estudou filosofia clássica grega na juventude. O modo como ele descreve poeticamente o paradoxo do “nada saber para perceber tudo”  coincide com a tradição socrática, mas também pode ser visto como uma ioga: 

“Para chegares a saborear tudo, 
Não queiras ter gosto em coisa alguma.
Para chegares a possuir tudo,
Não queiras possuir coisa alguma.
Para chegares a ser tudo,
Não queiras ser coisa alguma.
Para chegares a  saber tudo,
Não queiras saber coisa alguma.” [11]

E João da Cruz descreveu o seu êxtase místico nesses versos:

“Entrei onde não sabia,
e fiquei sem saber,
toda a ciência transcendendo.

Eu não sabia onde entrava,
porém, quando lá me vi,
sem saber onde estava,
grandes coisas entendi.
Não direi o que senti
pois fiquei sem saber,
toda a ciência transcendendo.

De paz e de piedade
era a ciência perfeita,
em profunda solidão,
diretamente entendida;
era coisa tão secreta,
que fiquei balbuciando,
toda a ciência transcendendo.

Estava tão enlevado,
tão absorto e desatento,
que meu sentido ficou
de todo sentir privado;
e o espírito dotado
de um entendimento sem entender
toda ciência transcendendo.” [12]

Embora seja verdade que nem todo idiota alcança a iluminação, é certo que todo iluminado tem algo de idiota e parecerá um tolo desde mais de um ponto de vista.  

O aprendiz da arte de viver deve romper os limites das chantagens do que é “politicamente correto” e deixar de lado os mecanismos da ignorância coletiva que buscam impor falsos consensos em função dos interesses desse ou daquele esquema de poder.

Mas, para fugir da idiotice coletiva organizada –  com sua psicologia de rebanho que proíbe o indivíduo de pensar por si mesmo –   é indispensável vencer o medo de que nos seja colocado o rótulo de ovelha negra, ou de idiota.  Só assim poderemos viver com responsabilidade própria e independência pessoal. Há uma história de Ramakrishna, o sábio indiano do século 19, que ilustra bem esse ponto:

“Era uma noite completamente escura, séculos atrás. De repente, um sujeito acende uma tocha para iluminar seu caminho e vai até a casa do vizinho. Ele quer pedir fogo, porque a noite está demasiado escura. Depois de muito gritar e bater na porta, o vizinho finalmente abre a porta, ouve seu pedido e responde: ‘Ah, ah, você é muito imbecil! Raciocine! Você já tem uma tocha acesa na sua mão!’[13]

Todos nós corremos o risco de fazer como o pobre coitado que bateu na porta do vizinho. A verdade eterna e a fonte da felicidade estão em nossas próprias mãos. Só dependem de nós. Mas insistimos em procurá-las nas coisas externas e pedi-las de outras pessoas, renunciando à autonomia da nossa caminhada. 

Os sábios, como os idiotas, são íntegros.  Eles não fingem que são inteligentes e não têm medo de errar. Tentam, erram e conhecem o sabor da derrota.  Mas, quando acertam, são geniais. O idiota de hoje pode ser o sábio de amanhã, graças à experiência adquirida. Em compensação, aquele que não possui ânimo para tentar não tem chance alguma de aprender.

Por isso devemos criar uma cultura em que é permitido a cada um cair e levantar livremente. Porque somos todos apenas aprendizes. Erramos e aprendemos o tempo todo, e devemos estimular em cada ser humano a coragem de buscar – mesmo tropeçando – os seus sonhos mais elevados. Banindo da nossa cultura o medo ao ridículo, cada um se permitirá um pouco mais de deselegância e autenticidade em sua maneira de viver. 


NOTAS:

[1] “Vidas de Grandes Romancistas”, por Henry Thomas e Dana Lee Thomas, Editora Globo, RJ-POA-SP, 1954, 244 pp., ver p. 32.

[2] “Einstein, a Ciência da Vida”, uma biografia escrita por Denis Brian, Editora Ática, SP, 1998, 551 pp., ver pp. 1, 3 e 4.

[3] “Assim Falou Einstein”, coletânea editada por Alice Calaprice, Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1998, 258 pp., ver pp. 64 (primeira frase da citação) e 63 (segunda frase).

[4] “Collected Writings of H. P. Blavatsky”, TPH, Índia/EUA,  volume VIII, 1990, p. 108.

[5]  “A Arte da Prudência”, Baltazar Gracián, Ed.  Martin Claret, SP, 2001, 151 pp., ver p. 102.

[6] “Father Brown Stories”, G.K. Chesterton, Penguin Books, England, ver Introdução. 

[7] “El Príncipe Idiota”, Fiódor Dostoievsky, Editorial Porrúa, S.A., México, 190 pp.,ver p. 158. Veja também o filme clássico de Akira Kurosawa baseado nesta obra, “O Idiota”, atualmente disponível em DVD.

[8] “Ramakrishna, o louco de Deus”, Introdução de Louis Pauwels, Planeta Especial, Fevereiro de 1995, 146 pp. em formato de livro, ver p. 09.

[9] “Wisdom of the Idiots”, Idries Shah, The Octagon Press, Londres, 1991, 179 pp., ver p. 5.

[10] “Tales of  the Taoist Immortals”, de Eva Wong, Shambhalla Inc., Boston, EUA, 2001, 168 pp., ver p. 56.

[11] “São João da Cruz”, Obras Completas,  Ed. Vozes, 1149 pp., ver p. 182.

[12] “São João da Cruz – Pequena Biografia ”, Bernard Sesé, Ed. Paulinas, SP, 176 pp., 1995, ver p. 135.  Uma tradução não tão boa do mesmo trecho pode ser encontrada  nas pp. 38 a 40 das “Obras Completas”.

[13] “Pictorial Parables of Sri Ramakrishna”, Advaita Ashrama, Calcutá, Índia, 65 p., 1997, p. 7.   

Uma primeira versão do artigo acima foi publicada pela Revista “Planeta”, de São Paulo.