Verdade


Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.

Picasso

domingo, 30 de dezembro de 2012

Sonharás uns amores de romance, quase impossíveis. Digo-lhe que faz mal, que é melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.

Machado de Assis

domingo, 23 de dezembro de 2012

"O certo e o errado são apenas modos diferentes de entender nossa relação com os outros".

José Saramago

domingo, 16 de dezembro de 2012

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Teixeira de Andrade

domingo, 9 de dezembro de 2012

Minimamente Feliz

Leila Ferreira

A felicidade é a soma das pequenas felicidades. Li essa frase num outdoor em Paris e soube, naquele momento, que meu conceito de felicidade tinha acabado de mudar. Eu já suspeitava que a felicidade com letras maiúsculas não existia, mas dava a ela o benefício da dúvida. Afinal, desde que nos entendemos por gente aprendemos a sonhar com essa felicidade no superlativo. Mas ali, vendo aquele outdoor estrategicamente colocado no meio do meu caminho (que de certa forma coincidia com o meio da minha trajetória de vida), tive certeza de que a felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro.

Na vida real, o que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas. Um pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro que a gente não consegue fechar, um homem que nos faz sonhar, uma amiga que nos faz rir. São situações e momentos que vamos empilhando com o cuidado e a delicadeza que merecem alegrias de pequeno e médio porte e até grandes (ainda que fugazes) alegrias.


'Eu contabilizo tudo de bom que me aparece', diz Fabiana, também adepta da felicidade homeopática. 'Se o zíper daquele vestido que eu adoro volta a fechar (ufa!) ou se pego um congestionamento muito menor do que eu esperava, tenho consciência de que são momentos de felicidade e vivo cada segundo.

Elis conta que cresceu esperando a felicidade com maiúsculas e na primeira pessoa do plural: 'Eu me imaginava sempre com um homem lindo do lado, dizendo que me amava e me levando pra lugares mágicos Agora, viajando com frequência por causa de seu trabalho, ela descobriu que dá pra ser feliz no singular: 'Quando estou na estrada dirigindo e ouvindo as músicas que eu amo, é um momento de pura felicidade. Olho a paisagem, canto, sinto um bem-estar indescritível'.

Uma empresária que conheci recentemente me contou que estava falando e rindo sozinha quando o marido chegou em casa. Assustado, ele perguntou com quem ela estava conversando: 'Comigo mesma', respondeu. 'Adoro conversar com pessoas inteligentes' Criada para viver grandes momentos, grandes amores e aquela felicidade dos filmes, a empresária trocou os roteiros fantasiosos por prazeres mais simples e aprendeu duas lições básicas: que podemos viver momentos ótimos mesmo não estando acompanhadas e que não tem sentido esperar até que um fato mágico nos faça felizes.

Esperar para ser feliz, aliás, é um esporte que abandonei há tempos. E faz parte da minha 'dieta de felicidade' o uso moderadíssimo da palavra 'quando'. Aquela história de 'quando eu ganhar na Mega Sena', 'quando eu me casar', 'quando tiver filhos', 'quando meus filhos crescerem', 'quando eu tiver um emprego fabuloso' ou 'quando encontrar um homem que me mereça', tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer esquecer da felicidade de hoje. Esperar o príncipe encantado, por exemplo, tem coisa mais sem sentido? Mesmo porque quase sempre os súditos são mais interessantes do que os príncipes; ou você acha que a Camilla Parker-Bowles está mais bem servida do que a Victoria Beckham?

Como tantos já disseram tantas vezes, aproveitem o momento, amigos. E quem for ruim de contas recorra à calculadora para ir somando as pequenas felicidades. Podem até dizer que nos falta ambição, que essa soma de pequenas alegrias é uma operação matemática muito modesta para os nossos tempos. Que digam. Melhor ser minimamente feliz várias vezes por dia do que viver eternamente em compasso de espera

domingo, 2 de dezembro de 2012

FOME, SEDE E VONTADE DE LER

Fabiano Cambota
 
Os biólogos, cientistas, cientificistas - enfim, qualquer estudioso do corpo humano - não cansam de afirmar e reafirmar a perfeição do corpo humano. A mais completa máquina já criada. Pois tratemos de discordar. O corpo necessita de combustíveis. Se precisamos de água, temos sede. De comida, temos fome. Nunca paramos de respirar. Por que nos falta uma necessidade de ler? Alias, não há sequer um nome pra isso. Simplesmente “a necessidade de ler”. Algo como a manutenção da intelectualidade, ou da saúde do cérebro. Ler. Ler como quem mata a sede. Como quem avança sobre um prato de comida. Um copo de água bem gelada e uma Clarice. Uma lasanha e um Machado. Para todos os dias, arroz, feijão e Allan Poe.

 

A falta de leitura deveria ser retratada em fotografia premiada pela National Geographic. Concorrentes do “Foto do ano de 2004”: O menino faminto da Etiópia, a baleia encalhada da Antártida e o Sem-livro do Brasil. Deveria estar estampado na cara do sujeito: “Sou subletrado”.
Não se justifica com a situação do nosso país. Não se trata aqui da falta de incentivo e de educação, já notória e discutida. Mas de atitude.

Os jovens - ah, sempre os jovens – não conseguem, ou não querem, enxergar o benefício da leitura. Qualquer leitura. E os jovens crescem, ou já cresceram, subletrados. Daí a pergunta: E se houvesse uma necessidade física? Penso que ainda há o que mudar na estrutura humana. Que tal essa dica? Hein! Na falta de uma terminologia melhor, fica a “fome de leitura”, ou a FOMURA. O menino grita: “Manhêêê, to com uma fomura danada”. E ela vem correndo com a Ruth Rocha que é pro menino parar de reclamar. O pai, no meio da noite, acorda com o choro do bebê. Dá a mamadeira, troca a fralda e lê o Ziraldo enquanto o neném não consegue sozinho. O casal de namorados vai sair a noite. Jantar, choppinho ou leitura? O rapaz mais afoito sugeriria um João Ubaldo. O divorciado um Nabokov. O mais esperto um Vinícius (sim, elas ainda adoram).  E a combinação vinho, massa e Drummond? Irresistível.

O sonho enfim se concretizaria com o obeso-literato. Aquele que, de madrugada, assalta a estante. Acha que não faz mal um Parnasianismozinho durante as refeições. Vai ao médico, o letricionista, que lhe passa uma dieta a base de romance. Nada muito pesado. Depois das 20 horas, só Sidney Sheldon. Mas cai em tentação e é flagrado com “Crime e Castigo” nas mãos. A família se preocupa. Tornou-se um livrólatra. Só o L.A. poderá salvá-lo. Nas reuniões com o grupo de viciados em literatura, ele conta sua saga: “Bem, comecei aos 10 anos. Como todo mundo. Fadas, chapéus, narizes que cresciam. Depois eu parti pros livros menores. Mas quando você menos espera, já está devorando um Jorge Amado numa sentada só”. Um “ooh” ecoa na sala. Senhoras comentam entre si. “Tão novinho e tão letrado né!”
Bibliotecas lotadas. Um silêncio ensurdecedor. Filas enormes para entrar. É muita gente morrendo de fomura. Consegue uma mesa, pede o menu.

- Por favor, me vê duas Cecílias. E pro menino pode ser um Lobato, que ele adora!!

- Senhor! Nossas Cecílias acabaram.

- O quê? E o que você sugere?

- Nosso Eça é legítimo, senhor! E temos Camões
- É que os portugueses são caros né! E meu médico me proibiu Camões durante a semana.
- Algum Andrade?

- Não sei. Não sei. To indeciso ainda.

Depois de alguns minutos pensando e testando a paciência do rapaz que lhe servia...

- Ah, vou de Paulo coelho mesmo que é só pra matar a fomura.